quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Qüinquagésimo sétimo andar.

Pulou do qüinquagésimo sétimo andar. Tinha a esperança de sentir a toda a sua vida passar pelos olhos enquanto o vento arrebentava sua respiração e o sangue corria mais rápido por suas artérias. Ele saltou. Sabia que havia feito isso não por covardia, embora não fosse o mais corajoso da turma ninguém tinha o direito de o chamar de covarde. Havia feito por medo. Medo de fracassar, medo de pegar o caminho errado e, lá na frente, ter de agüentar o peso de saber que aquela única escolha acabou com quase noventa por cento de seus sonhos e ideais.

Quadragésimo oitavo andar. Ele começou a pensar no que fez, segundos atrás: “meu Deus, eu acabei de pular de um prédio. É, eu pulei. Interessante...” – sua cabeça voltou para as únicas coisas que conseguiram fazê-lo pensar duas, três, setecentas vezes antes de cometer o ato. A vida de seus pais acabara de acabar, embora ainda tivessem o filho mais novo, o mais velho, agora no quadragésimo segundo andar, já havia feito sua escolha. E não era das mais bonitas. E o tal caçula? O que pensaria ao saber que o irmão mais velho agora não passava de uma pasta rósea na calçada de concreto? Já não importava mais. Já não tinha volta. Não que ele quisesse alguma.

Trigésimo primeiro andar. Foi a vez da lógica gritar ao seu ouvido. Se fosse para acabar assim, ele poderia muito bem ter esperado alguns anos a mais e ver onde o rio desembocaria. Para que essa pressa toda? Talvez melhor fosse permanecer no sonho, no sentimento de que conseguiria. Ao menos pra ele isso soava mais digno do que cair de um prédio como um fracassado que poderia ter trocado os pés pelas mãos em algum momento no passado. Mas enfim, isso também já não importava muito, se for levar em consideração o fato de já estar no vigésimo terceiro andar e que ganhava cada vez mais velocidade.

Décimo andar. As coisas ficaram mais claras, ele enfim abriu os olhos e viu tudo. Tudo estava ali na sua frente. Tudo era a primeira bicicleta que ele ganhou, tudo era seu pai o carregando pra enfermaria quando caiu do barranco, tudo era sua mãe dizendo que ele estava magro demais e que só poderia é estar com um número incontável de vermes, tudo era seu irmão que, apesar das brigas, pedia sua ajuda pra passar alguma fase em algum jogo que ele já não lembrava mais qual era, tudo era a primeira garota que ele abraçou e sentiu que era com ela que passaria o resto dos seus dias, tudo era a primeira briga que ele entrou, sabe-se lá o porquê. E ele viu, no terceiro andar, que ele conseguiria. Viu o que ele tinha nas mãos - ou melhor, na calçada - e que conseguiria tudo que desejasse, que deveria ter esperado um pouco mais, que ali jazia apenas um dos vários contos que o levaria aonde ele menos esperava, mas que seria o lugar onde ele mais sonhou estar em toda sua vida.

Esperou acordar. Ele esperou que o chão a milímetros do seu nariz fosse o travesseiro e que agora estava pronto pra sair e ter a certeza de que a todas as dúvidas, e todas as demais certezas, não passavam de um jogo de azar que você só sabe que ganharia quando já perdeu.

Ele esperou, mas pela última vez, já era tarde demais.


Vinícius Vargas

Um comentário:

raíssas :) disse...

as pessoas de verdade estarão sempre lá por você.